quinta-feira, 29 de maio de 2008

Pode vir, inspiração!

Certo dia, depois de muito tempo ausente de nosso blog, obriguei-me a escrever algo publicável, digno de fazer nossos leitores perderem alguns minutos de suas vidas dando atenção a mais um entre tantos escritores amadores que vêem na grande rede uma oportunidade para difundir suas idéias torpes e dúbias. Mas, sentar no computador e sair escrevendo não é essa moleza toda, principalmente em tempos de tão escassas inspirações. Eu poderia chupitar os fatos mais insólitos que publicam no globo online ou então resenhar sobre mais um grau de investimento conseguido pelo Brasil, mas tudo pareceria vago e redundante. Na verdade, queria escrever uma crônica leve, divertida, de verão. Daquelas que, ao término da leitura, mesmo que você esteja ao lado de um defunto em estado de putrefação avançada, te proporcione a sensação de que o mundo é super engraçado.
Mas, somente um coração burguês, uma alma ávida por novidades e olhos sempre atentos às desventuras cotidianas não são suficientes para escrever uma crônica de respeito (pelo menos de respeito). Eram 18h15m e em menos de uma hora eu deixaria meu estágio rumo ao martírio que, segundo dizem, irá nos separar dos derrotados: a faculdade. Era o momento perfeito para escrever situações cômicas da vida que me cerca. Mesmo sem nenhuma ponta de inspiração, abri o Word e fiquei olhando para a profundidade da tela em branco, como um grafiteiro que olha a parede em dúvida de quais tintas utilizar. A inspiração é uma merda e, além disso, é teimosa – só aparece quando pressionada. Nunca vi aparecer de boa vontade, de camaradagem.
Fiquei alguns minutos olhando a tela, absorto em pensamentos que dançavam em minha mente e que teimavam em não vir à tona. Tava foda. Percebendo minha atitude, o editor, um gordo que fede uma mistura de cigarro, café e roupa guardada, veio por trás de mim e balbuciou umas palavras de repreensão:
– Lucas, que porra é essa? Tá ai parado há um tempão, cadê minha matéria? Não me diga que ainda nem começou a escrever – inquiriu-me, enquanto me proporcionava uma ducha de perdigotos quentes.
– Eu já entreguei minha diária – respondi ao chefe, desarmando-o, pois ele veio a fim de me sacanear. Desconcertado, ele decidiu não perder a viagem e tentar me foder de vez:
– Já entregou a matéria, é? Ahn tah, mas eu tô precisando que você fique até mais tarde hoje – disse ele.
Em um momento de plena inspiração, respondi de bate-pronto:
– Hoje não dá, chefe, tenho prova – arrematei.
A inspiração é foda, essa malandrinha. É só pressioná-la que brota. Aliás, ainda bem que dessa forma ela nos é util, no meu caso utilíssima. Ainda tentei criar uma prosa legal para preencher a página com um monte de letrinhas que certamente trariam bom humor ao meu dia e ao de vocês, leitores invisíveis do Sobrecasaca. Mas não deu.

Lucas

terça-feira, 20 de maio de 2008

Time is money

A frase que a gente costuma usar para provocar alguem quando esta pessoa esta atrasada ou para agiliza-la tem um significado diferente aqui nos EUA. Ou melhor, tem o significado absolutamente literal. Aqui, como em nenhum outro lugar do mundo, tempo eh dinheiro. 8, 10, 20, 30 dolares dependendo do lugar.
Eles pagam por hora, ao que chamam de wage. Salary, seria o mensal, mas quase ninguem recebe dessa forma. Por exemplo, no restaurante em que trabalho eles me pagam 8h por hora, que eh o minimo wage na California. Cada estado tem o seu minimo. E por essa razao, a de o seu boss estar te pagando por hora, voce tem que recompensa-lo de alguma forma. Mesmo que nao tenha cliente nenhum nessa uma hora, por exemplo, voce tem que se virar para arrumar algo para fazer. Botar os molhos na garrafa, arrumar os guardanapos, ou qualquer outra tarefa menor. Porque nao faz sentido voce estar recebendo 8 dolares para nao fazer nada. Esse eh um exemplo menor, mas que no geral pode ser uma das razoes de eles serem tao desenvolvidos. Nessa mesma uma hora em que estou fazendo tais coisas no restaurante, todos os trabalhadores americanos, cada qual em sua area, tambem estao. Pode ter certeza. Aqui conversa fiada e braco cruzado nao existe. Porque custa dinheiro para alguem. A relacao eh direta e explicita. Time - Money.
O que por um lado eh bom. Ao contrario do Brasil, trabalhando num jornal, por exemplo, como ja foi meu caso em algumas vezes. Voce teria, supostamente, que trabalhar oito horas por dia, o que nunca ocorre, voce trabalha 10, 12 e nao recebe nada mais por isso.
Aqui, nao.
Se te pedem para ficar alem do seu horario, voce pode ter certeza que voce vai receber por aquelas horas a mais. Voce nao se sente explorado.
Se voce trabalha 15 minutos a mais do seu tempo, voce recebe por esses minutos. Sem exagero.
Bem, eu adoraria continuar essa cronica, mas tenho que ir para o trampo, porque voce sabe, time is money. Aqui, pelo menos.

Julio
San Diego, Ca

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Segunda parte


(Esta história é a continuação do post da semana passada)

Um alívio momentâneo veio antes do vazio causado pela falta dela. Como é que se foi envolver desta maneira? Agora não consegue se concentrar no trabalho, nem acertar a mão no café. Passando-se os dias, o jardim foi perdendo as plantas, mas a raiz do problema ainda estava lá. A falta que a moça do 203 causava na vida predial já se refletia nas horas perdidas vendo o entregador deixar os jornais a esmo, as correspondências se empilhando na sua mesa, as pessoas passavam e voltavam sem o afago passado.
A luta por continuar, à revelia dos fatos, sendo astuto e vigilante perdeu o sentido. Não te conto aquele dia em que distraído entrou em casa e da janela viu a mulher do doutor do 103 aos beijos e abraços com um suposto amante. Como por ter tido toda uma desilusão amorosa abraçou os dois com suspiros de um romântico; pegou pipoca e refrigerante e sentou na janela, deliciando-se com as carícias trocadas pelo casal.
Dentro de um filme, passou a se ver com a moça do 203 no lugar dos amantes, afinal ele também era um, inveterado: estavam só eles dois ali na janela, jantando à luz de velas com um vinho caríssimo a tira colo, depois mergulhando nos lençóis de seda inebriantes que, porventura, estariam na cama dela. Não julgo pela estirpe que a moça porta, mas na sua delicadeza em entrar e sair da portaria via-se que uma graça de menina ainda guardava segredos.
Ficou lá sofrendo, era melhor aquela melancolia criativa que o faz viajar pelos mais diversos cantos do inconsciente, vivendo outra dimensão do real, onde podia resolver todos os problemas da vida. Do impasse com o banco à peripécia de um relacionamento, estava nas suas mãos o controle do destino; da esperança em mudar de vida, tornar-se rico e viver numa casa a beira da lagoa, pescando com os netos, ao prazer de partilhar a vida com sua musa, passeando pelo parque, sentados no gramado ao ressoar de uma brisa constante que fazia o espaço ter uma profundidade sem fim.
De tanto ressoar no seu ouvido ele acordou assustado. O interfone da rua não parava e fez com que pulasse do mais profundo sono em meio a barulhos de caminhão, obras, pessoas carregando tralhas, um horror. Tinha que fazer alguma coisa, atendeu para que sossegasse por alguns instantes mas quem dera um descanso neste momento? Fora designado a ajudar na mudança de um morador, nestas horas que geralmente o caos toma conta de um edificio residencial. Desceu algumas escadas até o tal andar, aonde carregava-se móveis caríssimos, um piano vinha sendo retirado pela janela. Parou na porta e viu os números: 203.
Por alguns instantes veio na cabeça a imagem daquele apartamento vazio, empoeirado, prestes a sofrer mudanças estéticas; com seu ar incólume, agarrou-se à dúvida de que agora estaria sozinho no mundo. Não foi doloroso, nem aliviante, apenas seguiu o ritmo pulsante do silêncio que se deu.
Claro que, até ali, ele ainda nao tinha nenhuma certeza, nem chão nem nuvens de mudanças; estava tudo no terreno baldio da imaginação. E pra piorar, além de não saber da onde veio nem pra onde vai a mulher dos seus sonhos, entrou o novo morador com ares altivos lhe pedindo uma xícara de café. Ainda tinha que descobrir os carros na garagem, molhar o jardim... Mesmo assim fez o maldito café, ao que o senhor lhe devolveu depois de provar um sem gosto nenhum - estava muito, mas muito aguado.

Joao Vicente

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Ai de ti!

Sou adepto de um esporte radical: corridas na praia de Copacabana. Sair de casa, andar, correr, praticamente tudo envolve um certo risco no Rio de Janeiro. Em Copacabana, porém, tudo é diferente, estranho, extraordinário. Por exemplo: na rua Min. Viveiros de Castro, um sinal de trânsito pisca na luz amarela desde a Revolução de 30. Ele voltará ao normal? Mas que normal? O que é normal em Copacabana? Um outro exemplo: mesmo com a proliferação das grandes redes de supermercados e mercearias, com suas facilidades e comodidades, resistem bravamente à lei da concorrência os simpáticos quiosques das Granjas Xôko. O que mantém esta exótica maçonaria avícola de pé, em tempos de modernização, de ovos transgênicos e chesteres monstruosos? Sabe-se lá. Copacabana tem razões que a própria razão desconhece. Voltando às corridas, aqui, neste centenário bairro, elas possuíam, como tudo, um atributo peculiar, tratando-se de Rio de Janeiro: a tranqüilidade e a segurança.
De uns tempos pra cá, porém, esta atividade passou a incorporar um risco não muito inusitado: de que o corredor seja alvejado por uma rajada de tiros de metralhadora. Recentemente, durante minha corrida, melhor, meu Cooper, para fazer jus à minha suposta burguesice (nada é mais tipicamente burguês do que o Cooper), fui surpreendido por essas rajadas e explosões de granadas, ali pelas bandas do Leme. Tratava-se de uma guerra entre duas facções, que durou a semana toda, algo impensável até algum tempo atrás. Uma das singularidades copacabanenses era a relativa tranqüilidade das favelas do bairro, ou, pelo menos, a inexistência de guerras escancaradas, da troca de tiros à luz do dia, do pânico consumado. Ao que parece isso está mudando. O bairro vai se banalizando, tornando-se apenas mais um entre os tantos bairros com tiroteios, igrejas universais, praia suja e (quem sabe num futuro próximo) shoppings. A cada novo tiro, a cada nova loja Marisa, a cada boteco que fecha, Copacabana vai perdendo seu charme secular. Nada teria eu contra, caso o tal charme fosse trocado por ruas limpas, segurança e menos barulho. Acontece que o charme vai sendo trocado pelas Drogarias Pacheco e pelo mar imundo. Ei, eu quero meu charme de volta. Viva a resistência do último sinal piscante. Viva os bravos paladinos das Granjas Xôko!


-Dan-

sábado, 3 de maio de 2008

O Porteiro


Trabalhar dia e noite. Era esta a sua função. Cuidava da portaria do sobrado Elvira, no Catete. Quando fugia a primeira nesga de luz no céu estava já a postos; descobria os carros na parte externa da garagem, preparava um cafezinho ao zelador, regava as bromélias húngaras da entrada e, de volta a portaria, cortejava o primeiro que saia do prédio. Tudo correndo como de costume e certo de que estava sob controle a vida de seus amasiados. Um olhar diferente, os fatos acontecidos durante o dia, nada rolava minimamente despercebido pelo porteiro, era seu trabalho e por isso que tinha, tintim por tintim, os escorços sempre à mão.
Vez ou outra acontecia o cataclisma: as coisas mudavam de lugar, mudava o horário, mudança de lei no edifício, e para ele era difícil. Sábado, dia de faxina, rondava o sobrado para averiguação que era um sacrifício, talvez um contrato mal acertado porque o cargo é de porteiro, nao é de fiscal. E voltava a semana assim como ele queria: ver o gordinho ora triste ora alegre do 102, a gostosa do 204, brincava com o cachorro, batia um papo com a faxineira do 101 quando saia pra feira e terminava o dia feliz com o bolinho das senhoras do 206. As coisas foram se configurando como a maneira mais fácil de aliar serviço e saciar a curiosidade. Desconfiava um tanto, porém, da moça do 203 – ao que me parece ser acima de certas suspeitas, mas passível de indagações. Na verdade, o seu laborio prescindia a desconfiança, afinal tudo que entrava no prédio passava pelas suas mãos, mas o toque pessoal dava mais charme a história. Somente um misto de poder e submissão poderia fazer dele um Ás na direção da portaria.
Certo dia a mocinha entrou. Abriu a porta para ela e nada, nem um obrigado, ficou olhando para a mulher com a cara assim estarrecida. No outro dia passa ela de novo sem ao menos um boa noite, ou quiçá um olá. Voltava do recital. A moça do 203 é cantora, mas acho que a música nunca a levou ao mercado publicitário. Dessa vez não abriu, deixou ela tocar o interfone para que dai houvesse uma desculpa de um assunto a ser dito. Nada. A mulher driblava a curiosidade alheia como ninguém; esta aí - ao que me consta - nunca vai ser famosa.
Pelo menos a correspondência ele podia controlar. Da notinha de rodapé no envelope ao remetente decorava tudo e, com medo da memória, passou a anotar todas as observações. Um estudo minucioso e aplicado que fazia dela sujeita a especulações, às vezes agradáveis, outras comprometedoras. Não era bem este o intuito de um porteiro, mas em se tratando da 203, ah, aí vale o desafio. Deu até pra sonhar com a dita cuja uma semana seguida, mesmo quando não dormia.
Numa tarde macia de domingo, ouve-se ao longe, ali pela garagem, pela parte dos fundos do prédio, uma voz bem calma e suntuosa, quase um sonífero. Viajou aos extremos mais obscuros da alma para identificar a voz como sendo a da moca pouco conhecida que morava no apartamento 203 daquele sobrado. Era uma fala muito bem articulada - parecia de uma deputada ou corretora de imóveis - que voava aos ouvidos como música, e continha todo o interesse que se criou em torno da qual a vida e seus mistérios eram mais saborosos. Vinha de algum lugar que não se soube no momento dizer, mas trazia das mais valiosas informações, muitas delas. Tantas que não demorou muito para que largasse a portaria ao relento e fosse em busca do tão sonhado encontro.
Quando ouve o prenúncio do fim da conversa, cede à tentação de uma abordagem à amada, quem sabe perguntá-la sobre a água encanada? Talvez oferecer limpar seu carro? Para ele, a moça já era quase um ente querido, surgia uma vontade imensa de interrompê-la, de apoiá-la, de fenecer a voz dela quando ria timidamente. Foi tomando coragem, prendeu a respiração e adentrou o recinto em que ela estava. Os olhos a procuraram arrediamente, esboçou um oi mas infelizmente já tinha entrado no elevador; sobrou-lhe apenas a fresta da porta se fechando. Inconformado, sentou e lamentou.
Mas tomou para si que não ia desistir tão rapido, era só esperar uma nova oportunidade. Passou-se alguns dias depois do desencontro para enfim preparar-se melhor. Então continuou a pesquisa: a cada dia descobria características novas da sua musa, mas ela própria que não aparecia há tempos apertava-lhe o peito de angústia. Embora outras pendengas reservasse a maioria de seu tempo, chegava até mais cedo no trabalho para investigar a moça do 203, os seus cabelos longos e como seria seu apartamento. Foi numa dessas rondas pelo sobrado para averiguar a limpeza que notou um ruído vindo do andar dela, e correu para ver o que era... (esta história continua semana que vem)

Joao Vicente